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Dental Press Journal of ORTHODONTICS - Caso publicado por Dr. Paulo Ávila de Souza
  • 02/10/2017

Dental Press Journal of ORTHODONTICS - Caso publicado por Dr. Paulo Ávila de Souza

Má oclusão de Classe I de Angle com trespasse horizontal negativo na região anterior

O presente caso clínico relata o tratamento ortodôntico de uma paciente com oito anos e nove meses de idade, portadora de má oclusão de Classe I de Angle, com mordida cruzada anterior e relação de classe III entre os caninos. O tratamento ortodôntico foi realizado em duas etapas, sendo a primeira ortopédica e a segunda constando de aparatologia fixa, havendo necessidade de ganho de espaço para reanatomização dos incisivos laterais superiores. O tratamento em duas etapas, aliado à multidisciplinariedade com a Dentística Restauradora, permitiu a obtenção de excelente resultado final estético e funcional. O presente caso clínico foi apresentado à Diretoria do Board Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia Facial (BBO) como parte dos requisitos para obtenção do título de Diplomado pelo BBO. Palavras-chave: Má oclusão Classe I de Angle. Ortopedia. Ortodontia corretiva.

INTRODUÇÃO

Paciente leucoderma, sexo feminino, com oito anos e nove meses de idade, apresentando bom estado geral de saúde bucal, foi conduzida ao tratamento por seus responsáveis, tendo a estética como queixa principal, pelo fato de apresentar trespasse horizontal negativo na região anterior. Não havia qualquer queixa funcional. A mãe e suas duas irmãs possuíam padrão esquelético de classe III, o que demonstrava a forte possibilidade de a paciente também apresentar direção de crescimento facial desfavorável.

DIAGNÓSTICO

A análise facial em vista frontal demonstrou a presença de selamento labial passivo. O sorriso quase não apresentava exposição dos incisivos superiores, com discreta assimetria da mandíbula para o lado direito.
Em vista lateral, observou-se que a paciente apresentava deficiência na região da pré-maxila, com perfil
côncavo, cuja tendência era se agravar com o passar do tempo1-3. O lábio inferior se encontrava mais projetado do que o superior, com o ângulo nasolabial aberto. Esses aspectos podem ser visualizados na Figura 1.
Na avaliação dentária (Fig. 1, 2), verificou-se que os molares estavam em relação de chave de oclusão4 e os caninos em relação de classe III, com a presença de mordida cruzada na região anterior. A linha média inferior estava desviada 1mm para a direita e os incisivos laterais superiores apresentavam coroas de tamanho significativamente reduzido.

Na radiografia panorâmica (Fig. 3), foi possível observar a presença de todos os dentes permanentes, em estágios diferenciados de odontogênese, com os dentes 18, 38 e 48 em estágio inicial de formação das coroas. Na análise cefalométrica (Fig. 4), a paciente apresentou padrão esquelético de classe I (ANB = 1o) e, apesar dos valores elevados de SNA e SNB (93o e 92o, respectivamente), verificou-se que a maxila e a mandíbula estavam bem posicionadas em relação à base do crânio. O terço inferior da face se mostrou diminuído no sentido vertical (SN-GoGn = 20o e FMA = 14o), com leve tendência à projeção vestibular dos incisivos inferiores (IMPA = 95o). Esses e os demais valores cefalométricos são apresentados na Tabela 1.

PLANO DE TRATAMENTO

Diante do quadro relatado, idealizou-se um plano de tratamento constituído por duas fases: na primeira, seria realizada uma intervenção ortopédica; na segunda, grade lingual fixa inferior acompanhada de Ortodontia convencional. Inicialmente, seria instalado um aparelho progênico com molas digitais, para projetar os incisivos superiores, o que proporcionaria a correção do cruzamento na região anterior. Na sequência, o paciente seria acompanhado com o objetivo de supervisionar a evolução de sua dentição e, imediatamente antes da perda dos segundos molares decíduos inferiores, seria instalada uma grade lingual fixa inferior, para preservação do leeway space5 e redução da ação da língua, o que levaria a uma retração fisiológica dos incisivos inferiores. Posteriormente, seriam instalados anéis ortodônticos nos dentes 16 e 26 e colados braquetes (MBT Straight-Wire slot 0,022” x 0,028”) nos demais dentes das arcadas superior e inferior. Para o alinhamento e nivelamento, seriam utilizados arcos confeccionados com os fios de aço inoxidável Twist Flex 0,015”, 0,0175” e 0,020”, seguidos por fios lisos 0,016” e 0,018” e, posteriormente, fios retangulares 0,018” x 0,025”. Na arcada superior, seriam preservados os espaços nas faces mesiais e distais dos incisivos laterais, para permitir a incorporação de resina nessas regiões, o que melhoraria sua anatomia. Para a fase de contenção, planejou-se a utilização de uma placa de acetato de 1,5mm na arcada superior e, na inferior, barra intercaninos confeccionada com fio de aço inoxidável Twist Flex 0,032”.

PROGRESSO DO TRATAMENTO

O tratamento foi conduzido conforme planejado, sem alteração na sequência idealizada. Inicialmente, foi instalado um aparelho ortopédico progênico, com molas digitais na região anterior, para projeção dos incisivos superiores (Fig. 5). Após consolidado o descruzamento dos incisivos, foi colocado um batente removível superior, para permitir a extrusão dos dentes posteriores inferiores, corrigindo a mordida aberta posterior gerada durante o descruzamento dos incisivos.

A paciente foi acompanhada e, antes da esfoliação dos segundos molares decíduos inferiores, foi instalada uma grade lingual fixa, apoiada nos dentes 36 e 46. Aos onze anos e nove meses de idade, após a completa erupção dos segundos pré-molares inferiores, e já estando com a dentição permanente completa, com exceção dos terceiros molares, novos exames foram solicitados, com o objetivo de iniciar-se o tratamento ortodôntico convencional (Fig. 6 a 9). Foram instalados anéis nos primeiros molares permanentes superiores e colados acessórios nos demais dentes superiores e inferiores. Utilizou-se braquetes metálicos, técnica MBT Straight-Wire, slot 0,022” x 0,028”. Sequencialmente, foram instalados, nas arcadas superior e inferior: arcos de alinhamento e nivelamento confeccionados com fios de aço inoxidável Twist Flex 0,015”, 0,0175” e 0,020”; fios lisos de aço inoxidável 0,016” e 0,018”, de secção redonda; além do fio de aço inoxidável 0,018” x 0,025”, de secção retangular. Na arcada superior, com o objetivo de criar espaços adjacentes às faces mesial e distal dos incisivos laterais, foram incorporadas molas abertas comprimidas entre os incisivos centrais e os caninos. Esse espaço foi utilizado para a reanatomização dos incisivos laterais, por meio da incorporação de resina em suas faces proximais. Na arcada inferior, a partir do arco confeccionado com fio de aço inoxidável 0,018”, foram empregados elásticos em cadeia do dente 36 ao dente 46, associados à mecânica com elásticos intermaxilares com direção de classe III, com o objetivo de promover o fechamento de espaços residuais provenientes do leeway space, de posterior para anterior, até a região dos incisivos, e maximizar a retração desses. Nessa etapa, a grade lingual fixa foi removida e os espaços foram totalmente fechados. Após o fechamento dos espaços, iniciou-se a fase de finalização, tendo sido utilizados, nas arcadas superior e inferior, novos arcos confeccionados com fios de aço inoxidável 0,018” x 0,025”, com dobras e torques individualizados de acordo com a necessidade. Com o objetivo de ajustar o engrenamento entre as arcadas superior e inferior, os arcos foram seccionados e, então, foram instalados elásticos intermaxilares de intercuspidação. Após verificar-se que todos os objetivos pretendidos tinham sido alcançados, a aparelhagem ortodôntica fixa foi removida e iniciou-se a fase de contenção. Na arcada superior, foi utilizado aparelho removível confeccionado com uma placa de acetato de 1,5mm e, na inferior, barra intercaninos confeccionada com fio de aço inoxidável Twist Flex 0,032”.

RESULTADOS OBTIDOS

Avaliando-se os registros finais da paciente (Fig. 10 a 13), pode-se verificar que todos os objetivos pretendidos foram alcançados. Na face, houve ganho no terço inferior, no sentido vertical, e grande projeção labial superior, melhorando significativamente o perfil, porém com preservação do selamento labial passivo. Percebe- se, também, grande melhora no sorriso, havendo maior exposição dos incisivos superiores. Na avaliação dentária, observou-se a relação de chave de oclusão entre os molares e entre os caninos, em ambos os lados, além do adequado posicionamento das linhas médias superior e inferior e a correção da sobremordida e sobressaliência. Obteve-se, também, excelente harmonia funcional da oclusão em protrusiva e lateralidades direita e esquerda, bem como coincidência da posição de relação cêntrica com a de máxima intercuspidação. Vale ressaltar que, como pode-se observar na radiografia panorâmica obtida ao final do tratamento (Fig. 12), essas modificações foram obtidas sem ter havido qualquer remodelamento radicular apical radiograficamente perceptível. Cefalometricamente, conforme planejado, verificou- se que o padrão esquelético da paciente foi preservado, tendo o ANB6 passado de 1o para 2o e o valor de Wits7 se mantido em -2mm. Houve aumento da altura facial inferior (SN-GoGn passou de 20o para 22o e FMA passou de 14o para 17o). O ângulo Eixo Y sofreu alteração de 55o para 61,5o, demonstrando o redirecionamento vertical com giro horário da mandíbula, compensando o aspecto facial de classe III. Esses dados podem ser visualizados na Figura 13 e na Tabela 1. Nas sobreposições cefalométricas (Fig. 14), destaca-se a projeção dos incisivos superiores e o ganho no sentido vertical com o giro horário da mandíbula, proporcionando significativa melhora no perfil facial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Existem muitos relatos sobre o papel da hereditariedade na etiologia das más oclusões de Classe III, visto que, muitas vezes o componente esquelético está comprometido. Por essa razão, os resultados obtidos podem não ser definitivos, embora diversos autores relatem a possibilidade de sucesso em terapias conservadoras8, justificando a abordagem precoce nesse tipo de má oclusão. Conforme já relatado, houve preocupação com a proporcionalidade, na arcada superior, entre as dimensões dos incisivos central e lateral. Como os incisivos laterais se encontravam bastante reduzidos, haveria necessidade de se criar espaços nas regiões mesial e distal de ambos, para posterior incremento em resina composta. Essa atuação interdisciplinar foi essencial para a melhora no equilíbrio das dimensões dos dentes na região anterior, proporcionando à paciente um sorriso muito mais agradável esteticamente.

Agradecimentos

Agradecemos ao Dr. Rafael Chaise, Mestre em Clínica Integrada pela Universidade de São Paulo (USP) e professor do Curso de Odontologia da Universidade Regional de Blumenau (FURB), pela execução das restaurações estéticas; e ao Dr. Marcos Bordin, do Centro de Radiologia Cendro, pelas fotografias e imagens radiográficas.